Entenda por que a mosca branca pode acabar com a cultura do feijão
O feijão é uma cultura fundamental para o abastecimento alimentar do Brasil, destacando-se como uma excelente fonte de proteínas cujo consumo diário é uma tradição no país. Segundo os dados mais recentes da EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em 2023 o consumo médio de feijão-comum foi de 12,8 quilos anuais por habitante, ou seja, pouco mais de um quilo por mês para cada brasileiro.
Com uma considerável adaptabilidade ao solo e às condições climáticas, o feijoeiro integra a maioria dos sistemas produtivos de sequeiro, principalmente de pequenos e médios produtores rurais. Nesse sentido, inclusive, estatísticas apontam que 70% da produção da leguminosa advém da agricultura familiar.
Entretanto, a produção de feijão encontra na mosca-branca (Bemicia tabasi) um inimigo mortal. A praga pode devastar plantações inteiras e destruir os lucros do agricultor caso medidas de prevenção e combate não sejam adotadas. Saiba quais são essas medidas e como o seu funcionamento pode salvar a sua lavoura.
Bemisia tabaci – A mosca-branca
Ao contrário do que muitos imaginam, a Bemisia tabaci, ou mosca-branca, não é uma mosca, mas um inseto da ordem Hemiptera que se alimenta de seiva. Ela apresenta uma coloração amarelo-pálida e possui cerca de 1 a 2 milímetros de comprimento. A praga tem uma dieta muito variada, afetando lavouras de feijão, de soja, de tomate, de batata-doce, e mais uma série de outras cultivares, chegando a se alimentar de cerca de 750 espécies diferentes.

Ademais, essa praga apresenta um altíssimo índice de proliferação: A fêmea pode colocar de 100 a 300 ovos na face inferior das folhas, que eclodem no período de 5 a 7 dias. A Bemisia tabaci leva cerca de 32 dias para atingir a fase adulta, podendo ter de 10 a 11 gerações por ano na cultura do feijoeiro. Entretanto, a velocidade da sua reprodução aumenta em climas quentes e secos, diminuindo a quantidade de dias necessários para a maturação.
Seu ciclo de vida compreende é composto por quatro fases: a dos ovos, a das ninfas, a da pupa e a fase adulta. A imagem abaixo detalha esse ciclo com os períodos de cada um:

Para o feijoeiro, o grande problema dessa praga é sua ação toxicogênica: O inseto (principalmente a fêmea) é o vetor de um vírus extremamente perigoso para a cultivar, o Vírus do Mosaico Dourado.
A contaminação ocorre quando a mosca-branca suga a seiva da planta, infectando-a. Assim, o vírus pode ser transmitido antes mesmo da fase adulta do inseto, iniciando logo após a eclosão dos ovos, em aproximadamente uma semana após sua postura. A alimentação do inseto também produz outro problema para o agricultor: Ela libera uma solução açucarada, a honeydew, que é altamente favorável para o crescimento de fungos do gênero Capnodium sp.
Além do feijoeiro, a infestação de fungos que se origina do honeydew também pode afetar a soja. A fumagina – camada escura de fungos que se assemelha com fuligem, geralmente depositada nas folhas – pode necrosar a haste da soja, principalmente nas variáveis de ciclo mais longo (como a neo 580 e a neo 581, por exemplo), que são muito mais suscetíveis à doença, havendo casos em que mais de 80% da plantação foi devastada.
Essa enorme devastação causada na soja pode ser replicada no feijoeiro pela virose do Mosaico Dourado, também havendo casos em que as perdas excederam a casa dos 80% da lavoura. Para evitar esses desastres e controlar a mosca-branca, é fundamental conhecer o ciclo de vida do feijoeiro, de sorte a possibilitar o controle da Bemisia tabaci em cada uma de suas fases.
Confira, abaixo, as etapas de desenvolvimento do feijoeiro.
Fenologia do feijoeiro: O Ciclo de vida da planta
O ciclo de cultura do feijão dura de 70 a 90 dias, dependendo da cultivar escolhida e das condições climáticas na lavoura. Esse ciclo pode ser fragmentado em 10 fases que vão da germinação até a maturação. Cada uma dessas fases é marcada por características específicas, demonstradas na imagem abaixo:

Cada uma das fases é caracterizada por um evento, sendo identificadas da seguinte forma:
V0 – Germinação: inicia-se assim que são fornecidas as condições ideais de umidade e temperatura do solo.
V1 – Emergência: ocorre quando as plantas apresentam cotilédones acima da superfície.
V2 – Folhas primárias: marcada pelo aparecimento de folhas unifolioladas opostas e totalmente expandidas.
V3 – Primeira folha composta aberta: inicia-se com a presença da primeira folha trifoliolada aberta na planta.
V4 – Terceira folha trifoliolada aberta: começa com o surgimento da terceira folha composta aberta.
R5 – Pré-floração: ocorre com o surgimento dos primeiros botões florais, iniciando a fase reprodutiva.
R6 – Floração: nesta fase é possível visualizar a primeira flor aberta.
R7 – Formação das vagens: marcada pela presença de vagens na planta.
R8 – Enchimento das vagens: é o enchimento dos grãos com o consequente aumento do volume das vagens. No final desta etapa, as sementes perdem a cor verde e começam a mostrar as características da cultivar.
R9 – Maturação: Nesta última fase, as folhas, hastes e outras partes da planta ficam ainda mais amareladas e começam a cair. As sementes adquirem a cor e o brilho característico e quando sua taxa de umidade atinge 15%, é possível iniciar a colheita.
Para identificar a ocorrência de cada uma das fases na lavoura é necessário que ao menos 50% dela apresente as características esperadas. Assim, na etapa de formação de vagens, por exemplo, esta só será atingida quando metade das plantas da lavoura apresentarem vagens.
O conhecimento dessas etapas ajuda no controle da mosca-branca, uma vez que ela ataca a lavoura de feijão entre as fases V1 e R5 do ciclo (figura 3). Dessa forma, apresentada a fenologia do feijoeiro e indicadas as fases sujeitas ao ataque da praga, cabe aprofundar a relação entre a mosca-branca e o Vírus do Mosaico Dourado.
A mosca-branca e o Vírus do Mosaico Dourado
Conforme visto anteriormente, a mosca-branca afeta o feijoeiro entre nas fases V1 e R5 do seu ciclo de vida (figura 3). A alimentação do inseto pela sucção da seiva transmite o Vírus do Mosaico Dourado e também o Vírus do Mosqueado Suave do Caupi.
Os danos à lavoura são proporcionais à sua taxa de infecção, bem como ao estágio de desenvolvimento da planta no momento da contaminação. O Vírus do Mosaico Dourado afeta as folhas do feijoeiro, deixando-as amareladas, enroladas e enrugadas. Caso a contaminação ocorra até o estágio V2, a planta pode sofrer uma grande redução no seu porte.

O vírus causa uma redução na produção de sementes, havendo experimentos que aferiram perdas de 85% na produção quando a infecção ocorreu 15 dias após a semeadura. O mesmo trabalho afirma que a perdas se deram na casa de 48%, quando a infecção se deu em 30 dias após a semeadura (BARBOSA. Flavia Rabelo. et al. 2001), indicando que quanto mais jovem for o pé de feijão, piores serão os danos causados pela infecção.
Além dessas duas patologias, a solução açucarada depositada pela mosca-branca no processo de alimentação cria um ambiente favorável para a proliferação de fungos do tipo Capnodium sp. A proliferação de fungos saprófitas interfere no processo de fotossíntese da planta, também podendo causar grandes danos à lavoura, tal como nas lavouras de soja sujeitas à fumagina.
Mas que medidas podem ser adotadas contra a mosca-branca? Quais são as técnicas de manejo recomendadas? É possível combinar várias técnicas de prevenção e combate numa mesma lavoura? Confira abaixo as formas de evitar e combater a Bemisia tabaci.
Monitoramento da mosca-branca na cultura do feijoeiro
O combate à Bemisia tabaci pode ser feito utilizando-se de várias técnicas: culturais, químicas, mecânicas e biológicas. Entretanto, antes da aplicação de todas essas técnicas é fundamental que o agricultor realize o monitoramento da praga, principalmente no início da lavoura. Para tanto, a inspeção da plantação e a colocação de armadilhas - com o objetivo de coletar amostras - são ferramentas fundamentais para seu posterior controle.
A lista a seguir apresenta quais são as formas de realizar esse controle:
1. Controle Cultural
Essa forma de controle busca tornar o ambiente menos favorável à sobrevivência e proliferação da praga. Não se limita à apenas uma técnica, mas à todas aquelas que cumpram o objetivo presente em seu conceito. Algumas delas são:
Eliminação de fontes alternativas do mosaico dourado
O mosaico dourado pode ocorrer nas culturas de feijão e de soja. Com isso em mente, realizar a eliminação dos restos culturais de um plantio anterior que contenha alguma dessas plantas aumenta a prevenção ao contágio do vírus. A eliminação de ervas daninhas também é importante porque apesar de não abrigarem diretamente o vírus, podem ser reservatórios de Bemisia tabaci.
Local do plantio
Culturas hospedeiras da mosca-branca, como soja, tomate, algodão e fumo devem ser evitadas nas proximidades da lavoura de feijão. Isso ajuda a evitar a ocorrência da praga no feijoeiro.
Barreiras vivas
A utilização e barreiras vivas como o plantio de espécies de milho pode ajudar no controle da mosca-branca. A plantação-barreira atua como um muro contra insetos infectados que são carregados com o vento.
2. Controle Biológico
Algumas espécies de predadores podem ser grandes aliados do agricultor no combate à mosca-branca. Entre eles estão as espécies pertencentes às ordens Hemiptera (percevejos, cigarras), Neuroptera (como a formiga leão) e Coleoptera (besouros).
Também existem organismos parasitas que ajudam no controle da mosca-branca, como os pertencentes ao gênero Encarsia, Eretmocerus e Amitus.
3. Controle Mecânico
O controle mecânico consiste essencialmente na utilização de armadilhas para a diminuição da população do inseto. Aqui também entram as barreiras físicas artificiais, sendo seu melhor exemplo as telas de proteção.
4. Controle Químico
O uso de produtos químicos também integra as possibilidades de controle da Bemisia tabaci. A tabela a seguir reúne uma série de inseticidas que podem ser utilizados no manejo da mosca-branca, catalogados conforme seu ingrediente ativo, seu grupo químico – ou sítio de ação primário – e conforme a fase do inseto em que devem ser aplicados.

É justamente no controle químico que se revela a importância de conhecer cada uma das fases de vida da mosca-branca. Nesse mesmo sentido, a observação do estágio em que se encontra a praga é essencial para que a aplicação dos métodos de controle escolhidos não se transforme em prejuízo para o agricultor.
Manejo Integrado de Pragas
O manejo da Bemisia tabaci pode ser feito por meio das várias técnicas de controle apresentadas. Entretanto, aplicá-las isoladamente pode não se demonstrar como a melhor das escolhas. É justamente por isso que surge o Manejo Integrado de Pragas – MIP, unindo várias delas para reduzir a população de pragas a níveis que não causem danos econômicos para o produtor.
O Manejo Integrado pode juntar técnicas culturais, biológicas, mecânicas e químicas, sempre pensadas conforme o custo/benefício das aplicações e conforme seus impactos no ambiente e na sociedade. Não se trata apenas da aglomeração de várias formas de controle, mas da sua distribuição eficiente.
Essa eficiência no manejo fica mais requisitada a cada dia e muito disso se deve às novas variedades da mosca-branca que são resistentes à inseticidas. Além disso, estudos recentes demonstraram a expansão da área de infestação da Bemisia tabaci para regiões cada vez mais ao sul do país, como mostrará o mapa na seção seguinte:
A rota de expansão da mosca-branca
A Bemisia tabaci, na verdade, representa um complexo de espécies que são morfologicamente indistinguíveis entre si. Assim, “mosca-branca” não compreende apenas uma espécie, mas o termo representa uma variedade de biótipos – que são grupos de indivíduos que compartilham os mesmos genes.
Dentre eles, destacam-se os biótipos B e Q, que são os mais preocupantes para o agricultor. O biótipo B, ou “Middle East Asia Minor” (MEAM1) é encontrado com mais frequência pelo Brasil, também sendo vetor do Vírus do Mosaico Dourado. A característica mais danosa dessa variedade de mosca-branca é sua resistência à inseticidas, como carbamatos, piretróides, organofosforados e neonicotinoides.
Já o biótipo Q, ou “Mediterranean” (MED), é encontrado com maior frequência nas regiões sul do Brasil (apesar de ter sido identificado também no norte do estado do Mato Grosso). Sua principal característica é sua resistência à inseticidas juvenóides.
O mapa abaixo, elaborado por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista – UNESP, traz dados da distribuição dos biótipos B e Q pelo país. O biótipo B está representado em azul e o biótipo Q em vermelho.

Como a mosca-branca é um inseto polífago – ou seja, alimenta-se de várias plantas - sua presença pode significar prejuízo para várias lavouras. A título de exemplo, o biótipo Q, encontrado no sul do Brasil, transmite o Tomato yellow leaf curl virus (TYLCV) e o Tomato torrado virus (ToTV).
Além disso, o honeydew secretado durante a alimentação do inseto é um criadouro de fungos que podem afetar tanto a fotossíntese do feijão quanto a da soja, representantes importantíssimos do agro brasileiro.
Com a descoberta de novos biótipos resistentes à tipos específicos de inseticidas, o conhecimento do princípio ativo que compõe o insumo é de fundamental importância para o agricultor, uma vez que a aplicação de um agente químico para o qual a praga desenvolveu resistência só pode se traduzir em prejuízo.
Em razão dessa necessidade, o aplicativo de gestão de fazendas da Brever desenvolveu um bulário de agrotóxicos integrado, com acesso offline. Com ele você não depende de sinal para consultar o que precisa na hora da aplicação.
Além disso, o aplicativo traz ferramentas que permitem o controle de estoque e de movimentação dos seus defensivos agrícolas, classificando-os conforme seu princípio ativo. Em tempos onde o controle de pragas requer o manejo integrado para tornar sua lavoura competitiva, a Brever traz mais do que facilidade para a gestão da sua fazenda: ela traz eficiência.
Sylvio Liquez Schirmer
Jornalista e Bacharel em Direito
Caio Verschoor
Engenheiro agrônomo